De acordo com as pesquisa realizadas entre os povos indígenas do nordeste sobre religião e rituais nota-se que há vários pontos em comum abordados pelos pesquisadores à cerca dessa temática. De um modo geral os povos indígenas do nordeste praticam rituais sagrados que sob este contexto reafirmam a sua identidade, de modo que os compartilhamentos de segredos proporcionam significados necessários à experiência de ser indígena. O presente texto retrata alguns destes rituais sagrados, que denotam como os povos indígenas do nordeste buscaram o seu reconhecimento étnico através destes.
A Jurema (do Tupi – Yu-r-ema) é um dos símbolos sagrado ritualístico dos povos indígenas do nordeste, sua utilização depende das especificidades e do contexto onde a mesma está sendo utilizada. Cientificamente falando, há pelo menos, segundo Sangirardi Jr. (1983), sete espécies de árvores ou arbustos conhecidos, usados e classificados como Jurema. Na classificação popular encontramos: Jurema Mansa, Jurema Branca, Jurema de Caboclo, Jurema de Espinho, Jurema Preta e Jureminha.
Historicamente falando, a Jurema foi alvo de muita perseguição durante décadas, pois os sistemas de crença representados no complexo da Jurema foram formas de resistência cultural e estratégia de sobrevivência dos povos indígenas. No século XVI, por exemplo, negros e índios passaram por duras repressões passando a ser objetos de exploração do homem branco, com o passar do tempo estes povos começaram a criar táticas de sobrevivência, emprestando seus conhecimentos ancestrais sobre o uso do meio ambiente. De acordo com Clarice Novaes da Mota – As Muitas Faces da Jurema – o mundo vegetal, em particular, lhes permitia sua sobrevivência física através do cultivo das plantas e do uso das espécies selvagens, porém está tática de sobrevivência não era apenas só no nível físico-biológico, mas também ideológico-simbólico, onde ao usarem suas plantas no contexto mágico-religioso, negros e índios as integravam em um sistema cheio de significação cultural, ao mesmo tempo utilitário e simbólico.
Baseando-se nas pesquisas de campo realizadas entre os povos indígenas do nordeste, encontramos algumas práticas ritualísticas onde a Jurema é utilizada, mas sob especificidades diferenciadas de acordo com o contexto onde ela está inserida. Os povos indígenas do nordeste de um modo geral fazem a utilização da Jurema para fortalecer seus encantados e para se revestir de forças para afastar de si todo o mal. O uso ritual da Jurema, segundo José Maria Tavares de Andrade – Jurema: da festa à guerra, de ontem e de hoje – é certamente um elemento privilegiado na definição étnica destes grupos e em seu conjunto.
O preparo da Jurema exige o cumprimento de uma série de regras, segundo Mota, a Jurema deve ser preparada por um dos homens mais velhos e mais sábios do grupo tribal e que pertença ao estrato hierárquico mais alto. A Jurema utilizada para a bebida só pode ser aquela localizada dentro do Ouricuri , pois lá ela fica protegida dos “maus-olhos”. Para o seu preparo duas pessoas são necessárias: o “Juremeiro” e o “Auxiliar Sacerdotal” . Ambos devem estar sob as restrições do tabu sexual que antecedem qualquer trabalho considerado sagrado. O preparo da bebida deve ser feito numa panela de barro nova, feita especialmente para a ocasião, com água nascente, ou seja, água pura. As raízes são fervidas durante um bom tempo até mostrar-se grossa e escura, com uma tonalidade avermelhada.
Como falei anteriormente, a Jurema possui vários significados dentro de um contexto especifico. Para os Kariri-Xocó a função da Jurema é a de proporcionar visões e sonhos de outro mundo, mas sem deixar a pessoa fora do seu estado normal de consciência, para eles ela é a divindade formadora do grupo, ao tomarem a Jurema, eles buscam pelo significado de suas vidas, o que é ser um Kariri e um Xocó, a Jurema os ensina a viver através de seu discurso sagrado, segundo Andrade, a Jurema Roxa é usada entre os Kariri-Xocó para limpar o corpo para se livrar dos maus espíritos.
Já para os Geripancó a Jurema também cumpre esse papel de purificação corporal e espiritual como para os Kariri-Xocó, segundo Clarice Novaes da Mota – El Uso de Enteogenos Indigenas en las Americas: Presente, Pasado, Futuro...? – existem algumas restrições sobre a bebida da Jurema, por exemplo, as crianças só podem tomar a Jurema a partir dos sete anos de idade e as mulheres não podem participar de todo o ritual, pois parte do segredo é reservado apenas para o sexo masculino. Segundo Luiz Câmara Cascudo (1978), o segredo da Jurema é sinônimo de Catimbó , pois só os membros participantes da mesma conhecem o segredo que norteia essas liturgias.
Além de personagem dramática, a Jurema é também o local mítico de onde vêm os caboclos, conhecido como “espírito de índios”, possivelmente de um tempo e lugar do passado. Entre os Kariri-Xocó, a divindade Jurema é uma figura hermafrodita, que se apresenta como planta, em primeiro lugar e, por transmutação, em bebida, para então ser compartilhada entre os índios. Os encantados são os espíritos que dão força aos índios para poderem subsistir as provações terrenas.
Nos textos de Clarice Novaes da Mota e no de José Maria Tavares de Andrade há uma confluência entre a abordagem ritualística da Jurema. Em ambos os autores se encontra registrado as duas fases históricas da Jurema: primeira – a fase da colonização onde houve as resistências dos povos indígenas do nordeste, onde não permitiam que a Jurema fosse reconhecida como árvore sagrada em seus usos e significados, não sendo assim documentada pelos colonizadores estrangeiros e a segunda fase – onde a Jurema representa um elemento ritual ligado à própria resistência armada dos povos indígenas. Os autores também apontam o uso ritualístico da Jurema sob diversos contextos, porém mostra como os índios do nordeste utilizam a Jurema na afirmação e reivindicação étnica, mesmo havendo certa “concorrência” entre os índios, o importante é que há relações entre os grupos indígenas que se ajudam em sua identificação cultural.
Encontramos em Juliana Nicolle R. Barretto – Corridas do Imbu: Imagens e Performances entre os Índios Karuazú – um ritual chamado Corridas do Imbu, que é o maior ritual de culto aos encantados, celebrado anualmente pelos povos do tronco Pankararú, onde este ritual simboliza o alcançamento dos mais velhos, os Pankararú. O objetivo de sua pesquisa foi de etnografar o processo de negociação estabelecido durante a construção de um vídeo sobre o ritual das Corridas do Imbu . Os Karuazú estão localizados no alto sertão alagoano, no município de Pariconha, eles afirmam serem descendentes dos Pankararu, os índios Karuazú praticam seus cultos aos encantados, entidades ancestrais manifestadas durante os rituais e práticas xamanísticas. Vale-se ressalta que os Karuazú só tiveram reconhecimento étnico em 2003, eles fazem parte de um movimento em que os indivíduos se autodenominam “resistentes indígenas” . Durante o processo de reconhecimento os Karuazú, mostraram práticas ritualísticas re-significadas ao contexto atual, essas práticas funcionaram como fortalecedoras dessas identidades indígenas.
Segundo Barretto, o ritual é iniciado quando se encontra o primeiro imbu maduro da safra, geralmente ocorre no mês de dezembro, a festa tem início pela manhã com brincadeiras de praiás . “Dado início a festa, os cantadores puxam os toantes, enquanto os praiás dançam fazendo um grande círculo numa fila indiana no terreiro. Dançam sozinhos ou em par, a “pareia” e é formada de praiás ou de um praiá e uma mulher. Essa parte do ritual tem um intervalo somente na hora do almoço, quando é servido a comida dos praiás. O “dono do terreiro”, encantado que abre o terreiro, é o primeiro a ser servido, seguido pelos cantadores, pelos praiás, e por último, a comunidade que assiste o ritual.” (BARRETTO, p.10) Este ritual tem como objetivo prever como dará a safra do ano seguinte se o grupo vencedor for do lado oeste isso significa que a safra será boa, caso contrário não haverá muita chuva o que implica dizer que terão uma má colheita no ano seguinte.
A Corrida do Imbu foi analisada por Matta (2005), entre os Pankararu, ele apontou as relações existentes entre homens, encantados e obrigações, onde as penitências se forem desrespeitadas geram desordens social. Durante o ritual tem a queima do cansanção, em que os índios dançam levando em suas costas plantas urticárias que simboliza o pagamento de penitencia e petições de proteção aos encantados, aquele índio que dançar mais tempo com a planta urticária em suas costas, este terá atendido mais rápido seus pedidos.
Analisando todo esse contexto ritualístico mágico-sagrado compreendemos que tais práticas são fontes norteadoras para o reconhecimento étnico, a Corrida do Imbu, por sua vez foi um mecanismo utilizado para o reconhecimento étnico do povo Karuazú, aliando ao fortalecimento ainda mais do grupo indígena.
Outro ritual que possui em comum alguns objetivos semelhantes com os já supracitados é o ritual da queima do Murici. Segundo Jorge Vieira – Koiupanká e o Ritual Queimado do Murici – a queima do Murici retrata o ritual mais importante para os Kouipanká, apesar de durante o ano eles realizarem vários rituais com os praiás: Flechada do Imbu, Puxada do Cipó e Menino do Rancho, a Queimada do Murici é o ritual mais importante. Tem a duração de três semanas consecutivas é quando celebram a criação do povo, com rituais do milho, mandioca e murici, realizado logo após o primeiro final de semana depois do Sábado de Aleluia.
Para os Koiupanká o milho lembra a criação do homem; a mandioca a da mulher; e o murici, a criação do povo e é o alimento do dono do Terreiro. No ritual os homens se revestem de Encantados – espíritos de antepassados –, nos três dias que antecedem o ritual e durante as três semanas em que é realizado, se abstêm do sexo, bebidas alcoólicas, tomam banho de ervas e ficam reclusos no Poró . Segundo Vieira, o povo Koiupanká, vive no município de Inhapi, região do alto sertão alagoano, sendo formado por 186 famílias, organizadas nas comunidades denominadas de baixa fresca, Baixa do Galo e Aldeia Roçado .
Não muito diferente dos demais grupos indígenas do nordeste brasileiro os Koiupanká foram por muito tempo perseguido devido às ampliações de dominação dos colonizadores. A relação de parentesco, matriz cultural e religiosa estão diretamente ligadas aos Pankararu/PE, mas segundo Vieira, a partir da pesquisa antropológica foi detectada que a identidade cosmológica dos Koiupanká é oriunda do povo Pankararé, do município de Nova Gloria, sertão da Bahia. Tais formas ritualísticas presentes nos Koiupanká reiteram o que foi falando anteriormente a cerca da importância desses rituais indígenas sagrados, em todo o processo de reconhecimento étnico sempre esteve muito presente entre os índios do nordeste este marco diferencial que é a prática ritualística diferenciada da sociedade nacional.
De todo modo não se pode negar que estas práticas ritualísticas é o que caracterizam o “ser” indígena, apesar das muitas influências estabelecidas pela cultura dos não-índios como está presente no texto de Alexandre Herbetta – O Dado e o Construído: Esboço de uma Teoria da Religião entre os Kalankó – situada na Revista Nures no 14-janeiro/Abril 2010 (http://www.pucsp.br/revistanures) do Núcleo de Estudos Religião e Sociedade – Pontifícia Universidade Católica/SP INSS 1981-156X –, que retrata como o catolicismo faz parte dos rituais dentro desse povo indígena. A religião sempre foi deixada de lado na etnologia produzida no sertão nordestino, segundo Herbetta, isso ocorre talvez pelo fato de que a visão sobre estes grupos ainda traga o preconceito de que são entidades políticas, no sentido da relação com o Estado, mas de que não possuem diferentes sistemas culturais. Os Pankararu, em Brejo dos Padres/PE, é o centro irradiador da matriz cultural dos grupos indígenas, um dos grupos remanescentes, os Kalankó, atualmente somam cerca de 70 famílias, no total de aproximadamente 390 indivíduos e vivem no sertão do estado de Alagoas.
A vida dos Kalankó se divide em dois grandes momentos ao longo do ano: inverno e verão. O inverno vai de abril a setembro e é vivido sob a marca da abundância, eles vivem neste período a partir da lavoura de subsistência baseada especialmente no feijão, milho mandioca e algumas árvores frutíferas. O verão data de outubro a fevereiro é o período onde marca a escassez, onde alguns índios trabalham na lavoura e outros migram para o litoral, onde trabalham em usinas de cana-de-açúcar. A religião dos Kalankó é baseada em duas grandes matrizes onde de um lado há o catolicismo – apostólico romano – e a fé em Deus e Jesus Cristo, além de outras entidades denominadas “santas”, e de outro, um sistema de caboclos encantados que se dividem a partir do tamanho do repertório musical de cada um. “A Música é sempre particular em relação a um encanto” (HERBETTA, 2010).
O que podemos notar entre alguns grupos do nordeste, especificamente entre os Kalankó, é que parece que o mundo “dado” para estes está relacionado à experiência de cristianização e expropriação de suas terras e, que a está interligado a prática de uma religião musical. O fundo da figura religiosa dos Kalankó foi sendo construído pelo cristianismo, imposto pela catequese. Por tanto o campo da música segundo Herbetta – Cantos de Protesto – Modos de ser no alto sertão alagoano – (publicado pelo cenário da Comunicação, SP, V.7, nº 2, p.117-183, 2008) designa um fator diferencial e responsável pela construção étnica.
Neste texto o autor mostra como a música foi importante para o reconhecimento étnico de alguns grupos indígenas do alto sertão alagoano, onde estes grupos estabelecem alianças e mantêm-se relacionados socialmente por meio de um sistema ritual composto de uma série de festas que recebem o nome, muitas vezes de frutos típicos da região. Nos textos de Herbetta, está explícito que a música são fontes de expressões sociais, elaborando identidades sociais.
Ao compararmos os textos supracitados, podemos concluir que a religião e o ritual estão intrinsecamente ligados, o ritual sagrado mágico-encantado representa em sua essência à religião e expressa a crença dos índios nos seus encantados, nos espíritos de caboclo ancestrais. Suas indumentárias, seus costumes e ritos constituem um poder de mobilização social, o canto que é também um marco tão característico desses povos é, portanto em si mesmo um canto de protesto, pois trás consigo além do poder de mobilização social ao identificar, reunir, comunicar e relacionar grupos étnicos torna-os também políticos, uma vez que reivindicam também os direitos indígenas garantidos na Constituição de 1988, entre os quais, notoriamente está a terra. Todos estes rituais fazem parte da identidade dos índios do nordeste e, fizeram valer, de certo modo o seu reconhecimento étnico.
Querida Jéssica também sou aluno da Ufal, só que do curso de Agronomia do Campus de Arapiraca. Sou indígena da etnia Tingui Botó, gostei do seu blog por lembrar de nossa cultura. Gostaria que visitar-se meu blog sobre minha tribo. www.jairantinguiboto.wordpress.com
ResponderExcluirOlá Jairan, desculpe a demora de responder. De fato, a Etnologia Indígena é aldo que me encanta! Atualmente, estou centrando-me nos Wassu-Cocal (Joaquim Gomes - AL, meu TCC será sobre eles, mas conheço um pouco da sua etnia Tingüi-Botó, na verdade eu faço parte de um projeto de extensão da UFAL que é o Monitoramento Sócio-Ambiental das Áreas Indígenas em Alagoas. Pretendemos fazer o mapeamento sócio-ambiental de todos aldeamentos em AL. Fico feliz, por saber que os índios estão cada vez mais conquistando o seu espaço na sociedade nacional, prova disso eis ai você, parabéns. Ah, irei visitar e seguir o seu blog.
ResponderExcluirU
ResponderExcluirEU QUERIA QUE FOSSE MAIS EXPLISSITO POR QUE É MINHA NOTA DE CULTURA-AFRO-BRASILEIRA QUE ESTA EH JOGO A PROF MANDOU Agente fazer a pesquisa disso e eu nao achei muito bom esta resposta
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